O cilindro compressor das « competências » na educação

A crise económica, histórica e cultural que atravessa as nossas sociedades, sob modos e formas diferentes, estrutura uma paisagem de ameaça à volta da instituição escolar e das práticas educativas. Uma subjectividade e um conjunto de políticas do imediato disciplinam e formatam o campo pedagógico actual. A pedagogia que nos é imposta revê-se no exercício do desenvolvimento de “armas” para a vida e o sentido do ser humano a educar tende a identificar-se a um “homem sem qualidades” sobre o qual o educador é convidado a colar “competências-chave” para o sucesso na vida, essencialmente definido pelo critério da empregabilidade. Nesta nova escola, já não se ensina o ser humano em função do que ele é, mas por aquilo que ele vale. O conhecimento não tem valor se não corresponder às necessidades do mercado, se não se lhe puder atribuir um valor de mercadoria.

Procedendo essencialmente do mundo da empresa, monitorizado por uma vontade tecnocrática de optimizar a eficácia dos sistemas educativos, a abordagem por competências na educação introduz em todos os países (do Norte como do Sul, a todos os níveis dos sistemas educativos, no ensino regular como no técnico), com desprezo pelo terreno, roubando um tempo precioso ao necessário para ensinar e educar. Apresentando-se, tanto sob a forma de programas ou pedagogia por competências, como sob novas formas de avaliação muito estandardizadas (quando não sob as três formas), ela impõe uma lógica essencialmente avaliadora e normalizadora do comportamento, tendendo a equiparar o sentido da eficiência escolar ao da eficácia económica e a desacreditar os conhecimentos. Nós pensamos que, parafraseando Hannah Arendt, não saberíamos educar sem o mínimo de estanquicidade do mundo da escola em relação ao mundo do trabalho.

As nossas crianças não fazem todas o mesmo caminho. As suas qualidades, afinidades electivas e origens sócio-culturais condicionam este caminho. Mas isto não justifica que nós os ensinemos a aprender essencialmente sob a forma de falta de, como o querem os adeptos do modelo educativo baseado nas competências. Quando as nossas instituições determinam, por exemplo, através de uma “base” de competências, “o que ninguém deve ignorar quando termina a escolaridade obrigatória sob pena de se encontrar marginalizado”, que fazem elas se não ratificar a fractura social e tornar os futuros excluídos (e os seus professores) responsáveis por uma exclusão, cujas raízes se encontram algures ? Como podemos nós instruir e educar sob uma tal ameaça ? As competências-chave tornar-se-ão para os nossos alunos um infeliz passaporte para a sobrevivência, convidando-nos a mudar de ofício : construir artificialmente comportamentos profissionalmente eficazes e economicamente utilizáveis. Nesta matéria, a experiência do Quebec é eloquente. A reforma fundada nas competências, imposta faz agora mais de dez anos, produziu prejuízos tais que hoje são os próprios fundamentos da escola pública que estão desestabilizados.

Educar, estamos disso convencidos, é outra coisa. Não que estejamos agarrados às formas académicas do passado : a escola deve responder às exigências do seu tempo. Um dos nossos desafios é, certamente, como transmitir conhecimentos e saberes-fazer que “sirvam” aos alunos, não no sentido de uma pura e simples eficácia económica individual, mas de uma eficiência múltipla, de um sentido dado ao passado e ao mundo, do comprometimento com a construção do futuro da sociedade… Mas esse desafio, nenhuma política determinada em abstracto, ainda menos a partir de paradigmas económicos e de eficácia de curto prazo, poderá aceitá-lo. Nós reivindicamos a especialização quanto à necessária invenção, quotidiana e sustentada do nosso ofício, o ensino. E exigimos das instâncias que nos dirigem que, à lógica do poder separador e brutal, prefiram o acompanhamento das práticas, da investigação e da especialização no terreno, a fim de permitir aos professores potencializar a sua capacidade de agir e de considerar os desafios de uma escola, para o conhecimento da qual, estão posicionados como ninguém.

Normand Baillargeon, professeur et essayiste, UQAM (Québec) ; Gérald Boutin, professeur en sciences de l’éducation, UQAM (Quebec) ; Michel Bougard, historien des sciences, Université de Mons (Belgique), Fanny Capel, professeur agrégée de lettres, membre de l’association Sauver les lettres. Robert Comeau, historien, professeur associé, UQAM (Québec), Kaddour Chouicha, enseignant chercheur, Université des sciences et de la technologie d’Oran (Algérie), Huguette Cordelier, ex-enseignante spécialisée, fondatrice de Sud Education (France). Charles Courtois, professeur CMRSJ (Québec) ; Liliana Degiorgis, sociologue, directrice du laboratoire de recherche de EDUCA (République Dominicaine) ; Angélique del Rey, professeur de philosophie et essayiste (France) ; Joseph Facal, professeur agrégé, HEC Montréal (Québec), Luis Javier Garcés, Dr. en Education, enseignant-chercheur de l’Université Nationale de San Juan (Argentine) ; Willi Hajek, formateur syndical, TIE (Allemagne) ; Nico Hirtt, enseignant chercheur (Belgique) ; Ken Jones, professeur en éducation, Université de Londres (Angleterre) ; Sylvain Mallette, vice-président à la vie professionnelle de la FAE (Québec) ; Estela Miranda, Dr en Education, directrice du doctorat en Sciences de l’Education de l’Université Nationale de Córdoba (Argentine), Rosa Nunez, membre de l’institut Paulo Freire du Portugal et professeur à la Faculté de Psychologie et de Sciences de l’éducation de l’université de Porto (Portugal) ; François Robert, consultant indépendant en éducation (France), Juan Ruiz, Dr. en Education, enseignant-chercheur de l’Université Nationale de la Patagonie Australe (Argentine), Pierre Saint-Germain, Président de la FAE (Québec).